Rodolpho Motta Lima
Há duas semanas, escrevi aqui sobre a democracia relativa,
traduzida em posicionamentos dúbios e incoerentes, que defendem ou
atacam protagonistas de situações semelhantes – envolvendo os mesmos
valores –, em função de conveniências ideológicas de momento.
No Brasil, vivenciamos isso cotidianamente, sufocados por uma mídia –
a grande mídia – que, de forma monocórdia, manipula os fatos com
versões de conveniência. Um exemplo marcante desse posicionamento
ideológico – vinculado à política partidária – nos está sendo oferecido
agora, a propósito do julgamento do assim chamado “mensalão”. Já tive
oportunidade de externar aqui meu pensamento a respeito. Para mim, quem,
comprovadamente, tenha incorrido em qualquer delito deve ser punido
exemplarmente. Nenhuma dúvida a esse respeito.
Contudo, não podemos deixar de perceber a tal tática de manipulação,
fundamentada no que poderíamos chamar de “dois pesos e duas medidas”. As
vestais da dignidade e honradez, os paladinos da justiça e da ética,
omitem-se totalmente quando se trata de maracutaias provenientes dos
opositores do Governo, como o outro “mensalão”, o do tucanato mineiro, e
o não explicado caso da “Privataria Tucana”, um livro inteiro de
denúncias sem respostas convincentes, que, ou está a exigir um
posicionamento dos órgãos judiciais republicanos, ou deveria levar a um
processo o jornalista que o escreveu, por calúnia, infâmia, difamação.
Nunca o silêncio total sobre o assunto. Aliás, o mesmo ministro do STF
relator do mensalão em julgamento, Joaquim Barbosa, em entrevista dada a
diversos jornalistas e cujos termos estão acessíveis na internet,
questionou-os claramente – e sem resposta - sobre o fato de apenas se
preocuparem com esse mensalão, deixando de lado as também supostas
incorreções tucanas.
Chego agora ao assunto que me motiva neste texto: o STF, o processo
de sua composição, o seu poder. Não é um tema novo, eu mesmo já me
referi a ele anteriormente. Portanto, não vinculo meu posicionamento ao
atual julgamento, qualquer que seja o seu resultado final.
Julgo impossível deixar de ver, no formato de indicação dos Ministros
do STF, uma implicação política, por maior que seja o cuidado na
escolha. O poder Executivo indica e o Legislativo avaliza as indicações,
e aí, por si só, já se configura o aspecto político. Uma vez
empossados, os ministros indicados têm garantida a vitaliciedade e só se
retiram se decidirem aposentar- se ou, compulsoriamente, aos 70 anos.
Se são pessoas de inegável saber jurídico, são, também, seres políticos,
com ideologia e valores específicos, predileções e repúdios. Até hoje
se vincula o ministro Marco Aurélio de Mello ao seu primo Collor, que o
nomeou. Até hoje se mencionam os vínculos antigos do ministro Gilmar
Mendes com políticos tucanos, especialmente a FHC, a cujo governo serviu e
que o nomeou. E, agora mesmo, se diz do ministro Dias Toffoli, que foi
advogado do PT e nomeado por Lula, que ele seria naturalmente simpático à
causa petista.
Cá para nós, toda a preocupação com o fato de o ministro Peluzzo
votar ou não no processo do mensalão teve a ver com uma certa posição
que se supunha já definida. Numa aberração jurídica, chegou-se a
admitir, em determinado momento, que ele votasse antes do Relator e,
portanto, sem levar em consideração os estudos e definições do próprio
Relator e do Revisor do processo. Felizmente, prevaleceu o bom senso.
Não se trata, então - e isso é o óbvio -, de pessoas sem um passado
ou sem vinculações ou convicções políticas. E, ainda que não se discuta
aqui sua lisura, ou sua competência, a verdade é que, parafraseando
Mário de Andrade, “ninguém pode libertar-se das teorias-avós que bebeu“.
E, é claro, em dúvida vão prevalecer os tais vínculos. É humano.
Se há essas implicações, creio que deveria haver uma correspondência direta entre a composição do STF e a vontade popular. Afinal, não há política sem povo, e o regime democrático coloca o interesse popular em primeiro plano. Não é uma ideia original a eleição de Ministros da Suprema Corte dos países. Um exame comparativo, sem maior detalhamento, revela que isso já existe na França, na Espanha, em Portugal, na Alemanha e, parcialmente, no Japão. Seria possível aqui, portanto, que a população elegesse seus ministros, como faz com os principais membros do poder Executivo e com todo o poder Legislativo. Pode-se até admitir um período mais elástico dos seus mandatos, mas sem possibilidade de reeleição.
Nada, a meu ver, justifica a vitaliciedade. As atribuições do STF,
guardião da Constituição Federal, são muito relevantes para que se
assegure tal poder discricionário e atemporal a onze homens, que, é
claro, não são infalíveis. Isso, aliás, colhe-se da ambiência do próprio
STF, quando se percebe que um mesmo fato merece, às vezes,
considerações e julgamentos diametralmente opostos. Ou quando se ouve de
um ministro – como aconteceu recentemente – a declaração de que um
outro, quando presidente do STF, manipulou resultados de julgamentos...
Essas e outras razões indicam que o STF precisa ser oxigenado com maior
frequência.
Penso que a cidadania deveria encampar essa bandeira. Claro, seria
necessário detalhar as mínimas (ou máximas, porque indispensáveis)
condições exigidas dos candidatos à suprema magistratura. Seria preciso
discutir o número de eleitos e os períodos de mandatos, entre muitos
outros aspectos. Mas eu creio, sinceramente, que a democracia sairia
ganhando com essas mudanças.
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